Inteligência Artificial e Desigualdade: O Alerta da UNCTAD para 2025
Inteligência artificial é o tema central do recente relatório da UNCTAD, revelando que o seu uso crescente pode ampliar desigualdades socioeconômicas sem a devida regulação. O documento, divulgado em abril de 2025, chama atenção para a necessidade de políticas públicas inclusivas que permitam o avanço da tecnologia sem deixar países em desenvolvimento para trás.
O Cenário Atual da Inteligência Artificial Global
O dinamismo da inteligência artificial redefine rapidamente o cenário global, produzindo avanços que vão da medicina personalizada ao planejamento urbano inteligente e à otimização do agronegócio. Todavia, como destaca o relatório da UNCTAD, essa transformação ocorre em um contexto marcado por assimetrias profundas, resultantes tanto da concentração de pesquisa e inovação quanto da disparidade de acesso à infraestrutura tecnológica. Países como Estados Unidos e China permanecem na vanguarda, detendo mais da metade das patentes de IA e das principais publicações científicas, evidenciando a centralização da produção intelectual e tecnológica.
No mercado global de IA, não apenas se observa concentração de patentes e produção científica, mas também a supremacia no desenvolvimento de plataformas, algoritmos proprietários e suprimento de dados de grande escala. Essa assimetria impacta diretamente o ritmo de adoção da IA ao redor do mundo, favorecendo quem já possui infraestrutura robusta e recursos para capacitação técnica.
Para endereçar tais disparidades, a ONU e seus organismos lançaram programas estratégicos como o Pacto para o Futuro e o Pacto Digital Global, que incentivam a inclusão digital e propõem referências éticas e regulatórias, em sintonia com documentos internacionais como a Recomendação da Unesco sobre a Ética da Inteligência Artificial. São iniciativas que buscam uma governança global da IA, defendendo critérios de transparência, justiça algorítmica e proteção social diante dos impactos da automação no emprego e das transformações nos ambientes de trabalho provocadas pela expansão da IA.
- Acesso desigual à tecnologia: A falta de acesso disseminado à tecnologia de ponta e à infraestrutura adequada perpetua a exclusão digital, aumentando o risco de marginalização tecnológica em setores inteiros da economia global.
- Capacitação técnica e políticas públicas: A escassez de políticas nacionais que priorizem a capacitação técnica em IA limita o potencial de países em desenvolvimento em competir no cenário internacional e também em desenvolver aplicações adaptadas às suas necessidades locais, como o agronegócio no Brasil ou o planejamento urbano inteligente em emergentes megalópoles.
- Diretrizes éticas e inovação responsável: A crescente preocupação com os impactos sociais da IA motivou diretrizes baseadas em princípios éticos, impulsionando a discussão sobre mecanismos globais para equilibrar inovação, inclusão, proteção social e sustentabilidade, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Ao mesmo tempo, observa-se uma resposta crescente de comunidades de desenvolvedores em países como o Brasil e as Filipinas, que começam a construir ecossistemas nacionais de inovação. Estas movimentações indicam oportunidades para redução de desigualdades, desde que haja suporte em infraestrutura, regulação justa e colaboração internacional para a democratização do acesso ao conhecimento e às tecnologias emergentes.
Desigualdades e Barreiras para Países em Desenvolvimento
Apesar do avanço vertiginoso da inteligência artificial, grande parte dos países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais consideráveis para acessar e usufruir dos benefícios da IA. Elementos centrais, como infraestrutura digital de qualidade, disponibilidade de dados relevantes e mão de obra tecnicamente qualificada, permanecem escassos ou desiguais em muitas regiões. Essa realidade é agravada por um cenário global em que o financiamento para pesquisa e desenvolvimento em IA é fortemente concentrado: em 2022, 40% das pesquisas foram financiadas por apenas 100 empresas, todas baseadas em países desenvolvidos. Isso limita a capacidade de inovação local e reforça a dependência de tecnologias importadas, dificultando a criação de soluções adequadas aos contextos regionais.
O acesso restrito à tecnologia acentua o risco de marginalização tecnológica, especialmente na África Subsaariana e em partes da América Latina. Uma consequência direta dessa exclusão digital é o aumento das desigualdades já presentes nos indicadores sociais e econômicos desses países, enfraquecendo suas possibilidades de participação no mercado global de IA. Além disso, a consolidação de portfólios de patentes e volume de publicações científicas relacionados à IA continua concentrada nas nações industrializadas, perpetuando barreiras para quem busca inovar a partir de contextos periféricos.
“Sem acesso pleno à infraestrutura digital e recursos para capacitação técnica, a promessa da inteligência artificial pode se tornar um novo vetor de exclusão social e econômica”, alerta o relatório da ONU.
Entretanto, há exemplos de avanços em países em desenvolvimento, demonstrando que estratégias claras e investimentos públicos e privados podem estimular ecossistemas inovadores. O Brasil destaca-se pelo fortalecimento de centros de pesquisa, enquanto a Índia investe de forma sistemática na capacitação técnica de jovens em IA. Particularmente notável é o caso das Filipinas, onde houve um crescimento de 30% na comunidade de desenvolvedores de IA em apenas um ano, impulsionado por programas nacionais de inclusão digital e parcerias com empresas globais.
- Falta de infraestrutura: redes de dados limitadas e custo elevado de internet dificultam a implantação de IA fora dos grandes centros urbanos.
- Desigualdade no acesso a dados: ausência de bases de dados locais e políticas frágeis de governança dificultam o desenvolvimento de soluções contextuais.
- Capacitação técnica insuficiente: déficit de formação em áreas STEM e fuga de talentos reduzem o potencial de inovação nacional.
- Exclusão digital: populações vulneráveis, incluindo mulheres e comunidades rurais, são as mais impactadas pela ausência de inclusão digital estruturada.
Fator | Países Desenvolvidos | Países em Desenvolvimento |
---|---|---|
Infraestrutura | Alta densidade de banda larga, acesso universal | Frágil, concentrada em capitais |
Financiamento P&D | Elevado, com participação privada robusta | Limitado e dependente de fundos externos |
Capacitação Técnica | Extensa, com ecossistema educacional sólido | Déficit de formação e retenção de talentos |
Políticas de Inclusão Digital | Políticas avançadas e abrangentes | Fragmentadas ou incipientes |
O desafio permanece: sem regulação internacional coordenada e ações integradas de acordo com recomendações da Unesco, ONU e pactos como o Pacto Digital Global, o distanciamento dos países em desenvolvimento no universo da IA pode não apenas ampliar desigualdades socioeconômicas, mas também comprometer o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030.
Impactos Socioeconômicos e o Mercado de Trabalho
O avanço acelerado da inteligência artificial no mercado global está provocando profundas transformações socioeconômicas, sobretudo no mercado de trabalho. Conforme destaca o relatório da UNCTAD, estima-se que até 40% dos empregos em todo o mundo poderão ser impactados por soluções baseadas em IA, exigindo uma resposta urgente das políticas públicas para adaptação dos trabalhadores e proteção social. Os efeitos são sentidos de maneira diferente entre os países, reforçando clivagens já existentes: enquanto mercados mais desenvolvidos migram rapidamente para a automação de tarefas, economias dependentes de atividades repetitivas e baixo valor agregado correm maior risco de desemprego estrutural.
A introdução de IA em setores essenciais como agronegócio, planejamento urbano e energia traz o potencial de promover saltos de produtividade e eficiência. No entanto, sem estratégias propositivas de inclusão digital e impulso à capacitação técnica, as aplicações tendem a agravar desigualdades. Por exemplo, no campo, a adoção de sistemas inteligentes para monitoramento de safras e recursos naturais pode impulsionar grandes produtores que detêm infraestrutura e acesso a dados, enquanto pequenos agricultores em países em desenvolvimento enfrentam barreiras tecnológicas e de acesso a financiamento.
O relatório destaca ainda a urgência de atualizar sistemas educacionais para preparar novas gerações frente à digitalização do mercado de trabalho. Isso inclui não apenas oferecer competências técnicas em IA, mas também promover reskilling e upskilling para trabalhadores afetados pela automação de funções tradicionais. Programas de proteção social ajustados ao contexto da economia digital devem prever mecanismos para apoiar transições profissionais e combater riscos de exclusão social, especialmente entre populações vulneráveis.
“A redistribuição dos benefícios da inteligência artificial depende diretamente de políticas públicas que promovam acesso equitativo, proteção social eficaz e formação continuada”, salienta o relatório da UNCTAD.
No contexto global, a concentração de patentes e publicações científicas em IA em poucos países indica que os ganhos econômicos iniciais tendem a se perpetuar entre os que já detêm vantagens tecnológicas. A ausência de marcos regulatórios globais torna assimétrica a competição e pode ampliar a exclusão digital, marginalizando mercados e trabalhadores de nações com menor infraestrutura. No Brasil, apesar do potencial de crescimento dos desenvolvedores e da aplicação de IA em setores como educação e saúde, ainda existem desafios como desigualdade de acesso a dispositivos e conectividade, dificultando a democratização dos benefícios da IA.
Esses desafios colocam em evidência a necessidade de ações coordenadas no escopo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e do Pacto Digital Global, dialogando com a próxima etapa do debate sobre governança global, diretrizes regulatórias e a promoção de inovação responsável que garanta justiça social e inclusão.
Governança Global e Acordos Multilaterais
O avanço acelerado da inteligência artificial no mercado global tem amplificado as disparidades tecnológicas e socioeconômicas, exigindo respostas coordenadas além das fronteiras nacionais. Nesse cenário, a governança global se torna central para enfrentar os desequilíbrios de acesso e oportunidades suscitados pela IA. Plataformas multilaterais como o Pacto para o Futuro e o Pacto Digital Global despontam como instrumentos chave para estabelecer padrões internacionais, promovendo tanto inovação quanto proteção aos países mais vulneráveis à marginalização tecnológica.
Esses acordos atuam em diversas frentes ao criar parâmetros para responsabilidade ética, garantir a inclusão digital e fomentar o compartilhamento equitativo dos frutos da inovação em IA. A Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial da Unesco constitui um referencial normativo adotado globalmente, orientando políticas nacionais sobre transparência, privacidade, justiça algorítmica e direito à não discriminação. Esses princípios buscam evitar que diferenças de infraestrutura, capacidade regulatória ou acesso ao conhecimento aprofundem o fosso tecnológico entre países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento.
Reconhecendo as limitações dos tratados convencionais, iniciativas como o Pacto Digital propõem mecanismos flexíveis de cooperação internacional e transferência tecnológica, fundamentais para que países de menor capacidade possam acessar ferramentas essenciais, capacitação científica e participar ativamente da economia digital. Essa abordagem visa reduzir o monopólio sobre patentes de IA e publicações científicas dominadas por países do Norte Global, democratizando a inovação e permitindo que regiões como Brasil, Filipinas e outras economias emergentes tenham voz ativa na definição dos rumos tecnológicos.
“Tornar a inteligência artificial verdadeiramente inclusiva depende da construção de uma governança global participativa, onde diretrizes, recursos e oportunidades sejam compartilhados de acordo com princípios éticos e de equidade”, destaca o relatório da UNCTAD.
- Participação multissetorial: O envolvimento de governos, setor privado, organizações da sociedade civil e academia nas discussões globais sobre IA fortalece a transparência e legitima decisões que impactam o futuro digital.
- Proteção de direitos: Acordos multilaterais podem estabelecer salvaguardas para privacidade, proteção social e direitos laborais em ambientes automatizados, minimizando riscos de desemprego estrutural e exclusão digital.
- Instrumentos de incentivos: Mecanismos de financiamento e cooperação técnica internacional previstos nos Pactos podem impulsionar o desenvolvimento de infraestrutura tecnológica e capacitação em IA nos países menos desenvolvidos, criando condições para competição mais justa e sustentável.
A consolidação de uma governança internacional para a inteligência artificial, ancorada em compromissos como o Pacto para o Futuro e referenciais éticos da Unesco, desenha um caminho para que as oportunidades trazidas pelos avanços tecnológicos sejam distribuídas de forma mais equitativa. Não apenas como antídoto contra riscos de marginalização tecnológica, mas como estratégia para promover o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e garantir uma sociedade digital global inclusiva, segura e ética.
Recomendações para o Futuro da IA Inclusiva
Para transformar potenciais alertas em oportunidades concretas de redução das desigualdades, a implementação de políticas públicas voltadas à inclusão digital torna-se prioridade absoluta. Isso pressupõe o desenvolvimento de programas nacionais e regionais que garantam o acesso universal à internet de qualidade, dispositivos e ferramentas digitais acessíveis, além de suporte técnico para populações vulneráveis. Dinâmicas urbanas e rurais, como o uso de IA no agronegócio e em planejamento urbano, requerem investimentos específicos que atendam às demandas locais, estimulando não só a produtividade, mas também a participação ativa dessas comunidades nas cadeias globais de inovação.
A ampliação do acesso à educação tecnológica e ações de capacitação técnica em IA são determinantes para que regiões menos desenvolvidas possam ingressar de fato na economia digital. Parcerias entre governos, setor privado e organizações multilaterais viabilizam iniciativas que levam formação continuada em inteligência artificial a professores, estudantes e profissionais. Exemplo inspirador é o protagonismo de desenvolvedores brasileiros e o crescimento acelerado do setor de IA nas Filipinas, que demonstram como capacitação local aliada à inovação pode acelerar o desenvolvimento tecnológico em cenários emergentes.
Outro aspecto central envolve o investimento em infraestrutura tecnológica nos países emergentes. O fomento à construção de data centers, redes de alta velocidade e plataformas de pesquisa científica de IA é fundamental para reduzir a distância que separa países desenvolvidos dos demais. Em complemento, a promoção de ambientes regulatórios favoráveis à inovação, como políticas de abertura de patentes e estímulo a publicações científicas, pode criar condições de protagonismo para nações em desenvolvimento no mercado global de IA.
Para efetivar a inclusão, é essencial estimular acordos internacionais que priorizem tanto a regulação ética quanto a inovação aberta. Tais acordos possibilitam o compartilhamento de conhecimento, boas práticas e até mesmo recursos tecnológicos, respeitando a diversidade sociocultural e os diferentes níveis de maturidade digital dos países.
O fortalecimento de redes multilaterais de inovação e pesquisa surge como estratégia de longo prazo para evitar a exclusão digital e os riscos de marginalização tecnológica. Projetos colaborativos, consórcios científicos e hubs de desenvolvimento conjunto são essenciais para equilibrar a produção e o acesso a soluções de IA. Tais redes não apenas ampliam a troca de conhecimento entre centros tradicionais e novos polos, mas também impulsionam a criação de diretrizes de inovação que estejam alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as diretrizes de proteção social diante da automação e do impacto da IA no emprego.
Ao considerar essas recomendações, cria-se uma base sólida para que países e regiões tradicionalmente periféricos possam superar as barreiras do acesso à tecnologia. Isso exige não apenas empenho técnico, mas também um compromisso ético e político global para que o progresso da inteligência artificial seja inclusivo, sustentável e orientado pelo bem-estar coletivo.
Conclusão
A inteligência artificial traz oportunidades inéditas, mas amplifica também o risco de concentração de poder e aumento das desigualdades globais. Investir em políticas inclusivas, regulação ética e acordos multilaterais é fundamental para construir um futuro em que avanços tecnológicos estejam ao alcance de todos. O Brasil e outros emergentes têm grande potencial para protagonizar essa transformação, desde que o acesso à tecnologia seja democratizado. O relatório da UNCTAD reforça: o desenvolvimento sustentável da IA depende de todas as nações caminharem juntas.
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